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"Agradecer porque escapei": os relatos de um serrinhense resgatado de trabalho análogo à escravidão

Info Serrinha e Região

"Jovem" contou em detalhes como era a rotina de trabalho e as formas de tratamento que recebiam.

Foto: Valdenir Lima


Durante toda semana grande parte do país se mobilizou e a maioria dos brasileiros se solidarizaram com os trabalhadores baianos resgatados de trabalhos análogos à escravidão em Bento Gonçalves, no Rio Grande Sul. Os moradores de Serrinha e região do sisal chegaram e foram acolhidos pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Serrinha na última segunda-feira, 27, mas antes desse dia chegar não sabiam se voltariam para casa ou se estariam vivos devido aos tratamentos recebidos nas vinícolas onde trabalhavam.


"Jovem" é um dos resgatados das atividades análogas à escravidão. Neste sábado, 4, o rapaz concedeu entrevista ao programa Café com Você, na rádio Continental AM de Serrinha, e trouxe detalhes da rotina exaustiva, das ameaças sofridas, dos colegas que apanharam, outros que desapareceram, e no final apenas agradeceu por voltar para casa.


Da promessa de dias melhores ao primeiro baque:


O jovem relatou como foi "contratado" para trabalhar na vinícola, afirmando que a proposta foi uma, mas ao chegar no local a realidade foi completamente diferente.


"No começo encontrei um rapaz que trabalhava pra ele, e ele me disse que já trabalhava lá há cinco anos e que era tudo lindo, ótimo, dois meses pegava R$ 4 mil, só proposta boas, então surgiu a perspectiva de ter coisas boas. Quando chegamos lá diminuiram o valor, falaram que ia diminuir a safra, que quando acabasse a safra iríamos para o frango, só que lá era mais escravizado do que a uva. Aqui ele falou uma coisa, garantiu tudo, ele sabe que fez errado não só comigo, mas com várias pessoas de Serrinha".


Foto: Divulgação/MPT-RS


Acúmulo de funções e condições precárias nas atividades:


Segundo relato de "Jovem", as atividades não eram voltadas apenas para as safras de uva. Muitos trabalhadores, inclusive ele, acumularam funções indo realizar trabalhos em um aviário, mas sem receber os equipamentos necessários para aquela empreitada, e não havia o direito de dizer "não".


"No frango você pega 5 da manhã, saia na madrugada do outro dia para voltar novamente as cinco, e se não trabalhasse era choque, água gelada, eles não queriam saber, queriam que a gente trabalhasse doente. Se botasse atestado tomava falta do mesmo jeito. Um dia de falta eram mil reais descontados do nosso salário, perdia nossa passagem e a gente ainda ficava devendo a eles. A gente fazia várias coisas, não era só a colheita. A gente era da uva, mas tinha o frango, no aviário, um trabalho sem noção, lá você fica no meio de frango morto, moroto, urubu, ainda lhe xingam. Devido ao medo as pessoas iam trabalhar lá".


Alojamento precário e alimentação estragada


Além das péssimas condições de trabalho nas quais eram submetidos, os trabalhadores ficavam confinados em um alojamento sem arejamento, praticamente amontoados, e a alimentação era dada, segundo "Jovem", apenas no horário da saída para o trabalho, ficando exposta ao sol e sem um local adequado de armazenamento.


"Era um alojamento de madeira, tinha 16 camas em cada quarto, não tinha capacidade de ficar 220 pessoas. A gente pegava a marmita às 5 da manhã para comer só meio-dia no meio do mato, e quando a gente ia comer estava azeda e ele mandava comer assim mesmo, não colocava outra. Deixava a gente com fome. A comida não dava 200g, para sustentar a pessoa que trabalhava 15 horas por dia, ainda estava estragada, e tinha um pão e um café, e não dava mais nada".


Foto: Divulgação/MPT-RS


Ameaças aos trabalhadores e familiares


Os trabalhadores tinham acesso ao aparelho celular, porém, devido às ameaças sofridas evitavam relatar o ocorrido com medo de familiares sofrer retaliações.


"Eles falavam 'vocês estão aqui, mas os familiares de vocês estão na Bahia.' Muitas pessoas apanharam muito. Vários foram espancados até desmaiar, água na cara, spray de pimenta, choque elétrico, fomos ameaçados com arma na cara. Teve um colega de Salvador que levou um tiro de 12 no pé".


Ameaças a quem era de Salvador


De acordo com relatos de "Jovem", os trabalhadores que eram de Salvador estariam sofrendo consequências maiores.


"Eles perguntaram se eu era de Salvador, disse que era de Serrinha, e ai o segurança falou que era menos um que ele ia jogar no saco branco. Ele disse que todo mundo que era de Salvador ia jogar no saco branco e enterrar na vala, e que já tinha feito isso com dez. Dois amigos meus saíram, foram no mercado, nunca mais retornaram".


A fuga e chegada da Polícia


No dia anterior à fuga, três rapazes foram espancados porque enviaram vídeos relatando o ocorrido, chegando ao conhecimento do MPT-BA. No outro dia os homens conseguiram escapar e chegaram até Porto Alegre onde pediram e conseguiram ajuda.


"Três rapazes fizeram um vídeo de manhã e um dos seguranças viu. Esse material foi para o Ministério do Trabalho de Salvador. Eles apanharam muito. No outro dia cedo eles conseguiram fugir e ficaram escondidos no mato. Depois foram para Porto Alegre e chamaram a Polícia. Fomos trabalhar e quando retornamos tinham mais de 20 viaturas da PRF e da PF rodeando o alojamento. O prefeito liberou o ginásio de esportes, conseguiu colchões, cobertas. Muitas coisas ficaram no alojamento, mas eles deram fim em tudo, queimaram, sumiram com as nossas coisas".


Foto: Divulgação/MPT-RS


Alívio e agradecimento por voltar para casa


Após todos os trabalhadores receberem assistência da Prefeitura de Bento Gonçalves, e diante da repercussão nacional do caso, os trabalhadores retornaram para a Bahia onde puderam enfim reencontrar seus familiares, e agora a briga é para receberem suas indenizações.

"Agradecer a Deus porque escapei. No dia que a gente veio embora a sensação era de que estávamos salvos, quando coloquei o pé no ônibus para vim e a Federal escoltando a gente foi algo que agradeço a Deus".


Foto: Divulgação/MPT-RS


As vinícolas nas quais os trabalhadores estavam trabalhando lamentaram o ocorrido, informando que a atividade era terceirizada.


A empresa Fênix Serviços de Apoio Administrativo, responsável pela contratação dos trabalhadores resgatados, recusou a proposta feita pelo MPT-RS de realizar o pagamento das indenizações individuais, além de não reconhecer a ocorrência de trabalho análogo à escravidão.


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